Depoimentos | Roseli Garcia

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Roseli Garcia


Ensaio | 05 de março de 2014

Existe o que a sociedade chama de “padrão”, padrão para tudo quanto é coisa, isto desde que o ser humano se organiza em conjunto formando a tal “sociedade”.
São tantos os padrões ditados por ela que existe até o padrão de comportamento, este, talvez seja um dos que mais tenhamos que estar atentos, pois estar fora dele é ser considerado anormal.
Antigamente isto não era tão ruim assim, os tais “anormais” existentes na sociedade eram até cuidados e protegidos pelos ditos “normais”. Mas acontece que a população foi aumentando, e com ela os “anormais”, a correria do dia a dia, a expansão demográfica, e o crescimento desvairado e impensado das cidades, e acima de tudo, o ego e o interesse político de nossos governantes. E aí, de uma hora para outra, estes tais anormais passam a não mais serem vistos com bons olhos e sim como um estorvo social, um lixo, um incômodo.
Claro que muitos deles reagem a isto com violência, e são assim, também considerados um risco para a sociedade, desta forma, nossos governantes, pensando no bem comum da sociedade normal e produtiva, resolvem fazer o que eles chamam de higienização, tirando assim, do convívio social todos aqueles que, segundo um julgamento infundado, era considerado anormal.
Bom, aí começa um outro capítulo de nossa história.
Tirá-los da rua e colocá-los onde? Por quê? Para quê?
É neste momento então, que entra na história de nossa região uma figura de extrema importância para o desenrolar da mesma.
Para alguns ele foi um deus, já para outros é o próprio diabo. Fato é que se somos o que somos como cidade, muito vem de suas atitudes, até porque, nesta época, vale lembrar, ainda não existíamos como tal.
Veio então o Doutor, Franco da Rocha era seu nome.
Trazia novas ideias, métodos e informações. Homem estudado, já tinha tudo planejado, um pacote completo com ideias, e ideias que em tudo daria certo.
Ganhou a confiança dos governantes, o reconhecimento dos comandantes e o dinheiro para levar tudo adiante.
No entanto, uma ressalva, um pedido especial: que o lugar fique bem longe. Foi o que pediu o povo dito “normal”. Aceito o pedido e no resto foi tudo atendido. Lindos campos foram escolhidos, terras produtivas, era o que lhe daria guarida.
Para cá foram trazido, aos poucos iam chegando, gente daqui, dali e de acolá. Quer dizer, muito mais de acolá, de bem longe, pois aqui ainda não havia ninguém.
Veio gente de todo tipo, homem, mulher, branco, preto, estrangeiro, rico, pobre, e muito mais do que se possa imaginar. Uns vieram para trabalho, outros tantos para morar. Fato é que foram ficando e em pouco tempo uma cidade foram formando.
Assim nasceu o Juquery. Com objetivos claros: para uns, dar trabalho, para outros, acalento, e para muitos, experimentos.
Vieram então, as lobotomias, a laborterapia, os eletrochoques, a malarioterapia, o banho de imersão e muito mais que no intuito de curar, a muitos só fez traumatizar.
Houve a segregação, o racismo, a diferença entre as classes sociais, houve até aquele que ganhou um lar.
Chegavam de carro,de ônibus, de trem, de avião, de terras distantes de montão. Amontoando-se pelo espaço, onde já não mais se conseguia mudar os passos de tanta gente fora do compasso.
O que fazer então?
É tanta gente saindo pelo ladrão que já não há mais controle da razão.
Eis novamente a solução: Padronizar o comportamento, então!
E foi assim, como um livro que li quando criança, seu nome era “ A droga da obediência”.
Os “pacientes”, pois eram assim que ficavam, eram dopados e muitos dos 17 mil foram abandonados e por não mais se fazerem notar, foram de fato calados!
Há quem diga que o trabalho enobrece o homem, no entanto ali dentro produzir seu alimento já não era mais o negócio do momento. O capitalismo selvagem aliado aos interesses escrotos de muitos políticos, ditavam novas regras e, a terceirização tornou-se a solução, acabando com o pouco que restava de humanização.
Pronto! Estava lá, declarado para quem quisesse enxergar, Juquery, um deposito humano! Foi assim que este começou a chamar a atenção dando início a um novo processo, o da luta anti-manicomial.
Vamos então as devoluções!
Mas devolver o quê? Para quem?
Recebeu-se uma criança cheia de vida, sonhos, amor, esperança das mãos de seus pais, e hoje, 50, 60, 70 anos depois, ou mais, o que temos? Nem mesmo os pais mais conhecemos.

O jeito agora é guardar, e esperar que i tempo venha levar, assim aos poucos tudo vai se esvaziando e o Juquery, como um mito vai ficando.

 

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